Na duvida não flexione

03/05/2012 01:04

 

Na duvida não flexione

2010-04-02 10:41

. Na duvida não flexione .

Roberto Naves 

 

A embocadura que ilustra o início desta página é um Freio “Pelham”. Vulgarmente chamado de freio-bridão, este instrumento pode agir como freio, se as rédeas  estiverem atadas nas argolas do freio; pode também agir como bridão, se nas argolas do bridão estiverem as rédeas; usado com quatro rédeas, o Pelham pode ainda agir simultaneamente como freio e bridão; e ainda é possível com o uso de uma alça, ou “francalete”,  a ação simultânea de freio e bridão, com o uso de apenas duas rédeas. O francalete é atado por cada uma de suas extremidades às argolas do freio e do bridão, e nele se prende a rédea.

 

Acredito ser acertado se apelidarmos o Pelham de “mania”, “febre” ou “coqueluche”, ou mesmo “90%”, porque é perto desta porcentagem o número de animais apresentados hoje nos concursos de marcha, envergando tal embocadura. Incluem-se aí os animais das categorias jovens, maiores prejudicados pela ação do Pelham com francalete, que num trocadilho, acaba por envergar o pescoço dos animais. Ao perguntar aos peões a razão do uso deste instrumento, a resposta é única: “para flexionar !”. Para não gerar dúvidas, é importante dizer que o freio Pelham é de muita utilidade, para objetivos específicos de utilização, de acordo com o estágio de adestramento e as reações do cavalo. Usado de forma tecnicamente correta, é uma ferramenta de grande valia.

 

Um cavalo em atitude é aquele que se mantém com o pescoço sustentado em ângulo aproximado de 30 a 45° com a horizontal, e a nuca flexionada de acordo com o que se deseja o andamento do cavalo, ou seja, mais flexionado quanto mais reunido se quiser o andamento. Para um concurso de marcha, por exemplo, a cabeça deverá formar com o pescoço um ângulo menor que 90°. Outro bom parâmetro é uma linha imaginária vertical, tangente ao olho do cavalo: o focinho deverá estar logo à frente desta linha, de modo que o chanfro do cavalo esteja quase coincidindo com a vertical. Diz-se que um cavalo está “ponteiro” quando o focinho se encontra bem à frente desta linha, formando-se entre a cabeça e o pescoço um ângulo muito aberto, bem maior que 90°. É como se apresenta, por exemplo, um cavalo de corrida, ao cruzar a linha de chegada.

 

Estando em atitude, o cavalo torna-se elegante, esteticamente agradável, mas existem razões técnicas mais importantes que esta beleza estética. A nuca flexionada provocada uma tração em um ligamento que percorre toda a extensão da coluna, levando ao afastamento entre os processos espinhosos das vértebras, lâminas verticais que se projetam de cada vértebra da região dorso-lombar. Estando assim, a coluna torna-se discretamente arqueada, ganhando flexibilidade e dando liberdade de movimentos aos membros. Funcionando como uma mola, a região dorso-lombar torna-se flexível, contribuindo diretamente em favor da comodidade. Desta forma os movimentos do cavalo tornam-se harmônicos, contínuos desde o trem posterior, onde é gerada a força de propulsão, até às regiões anteriores. Os membros trabalham com maior amplitude e leveza de movimentos.

 

Para se atingir um flexionamento ideal da nuca, é necessário um condicionamento do cavalo, que reputo ser o maior segredo da equitação: a descontração do maxilar. O cavalo que tem o maxilar contraído cerra os dentes, se opõe ao flexionamento da nuca e mantém a coluna retesada, como um bloco rígido, sem flexibilidade. Ao contrário do exposto anteriormente, os movimentos tornam-se travados, curtos e segmentados, como se movimenta um robô. A rigidez da coluna conspira contra a comodidade, contra a harmonia e a liberdade dos movimentos.

 

O condicionamento do cavalo para que assimile a descontração do maxilar é um tanto complexo para ser aqui descrito, mas é sem dúvida indispensável para que se possa flexionar devidamente a nuca. Este condicionamento bem feito permite que um leve dedilhar das rédeas promova a descontração do maxilar. A partir daí o cavaleiro pode ajustar o posicionamento da cabeça,  flexionando a nuca de seu cavalo sem esforço, num grau de atitude correspondente ao que se deseja do andamentomais flexionado quando se deseja um andamento mais reunido, ou mais estendido para um andamento mais alongado. E como a maioria dos cavalos não são condicionados corretamente, entra em cena a figura do “Pelham com francalete”.  Na verdade, esta embocadura tem o poder de flexionar à força a nuca de um cavalo. Desta forma o animal ficará em atitude forçada. Os benefícios desejados com o flexionamento da nuca não são atingidos desta forma.  O cavalo procura a todo custo abrir o ângulo entre a cabeça e o pescoço, fugindo da atitude. Nesta condição a coluna passa a ser o ponto de apoio para a reação do cavalo, que a mantém rígida, inflexível, dura. A atitude é apenas aparente. Nota-se em alguns casos pela falta de sua manutenção, pelo cerrar dos dentes do cavalo, ou por movimentos dos lábios. A própria expressão do olhar do animal declara, às vezes, sua tensão. Mas é ao montar este cavalo que confirmamos esta situação. O animal se debruça na embocadura, promovendo uma forte tração nas mãos do cavaleiro, através das rédeas. O desconforto é considerável, normalmente levando à penalização do cavalo no item comodidade, contrariada também pela rigidez da coluna, tensa na tentativa do animal de elevar o focinho, abrindo o ângulo entre cabeça e pescoço. As passadas curtas e segmentadas contrariam o rendimento e a harmonia dos movimentos.

 

O final do adestramento básico deve levar um cavalo a se apresentar em atitude, com ritmo, descontração geral e apoio franco e suave sobre a embocadura. É normal que sob um comando do cavaleiro o cavalo se contraia. O pedido de descontração do maxilar, através do dedilhar das rédeas, deve ocorrer por tanto,  a todo instante, mantendo-se assim o cavalo descontraído o maior tempo possível. Ideal mesmo é pedir a descontração imediatamente antes de se dar algum comando. É como pisar na embreagem de um carro, antes da troca de marcha. O cavalo descontraído promove as transições ou demais figuras exigidas pelo cavaleiro de forma harmônica, sem a quebra do ritmo e da seqüência de seus movimentos. Numa prova de salto ou de adestramento clássico, por exemplo, que tem duração aproximada de dois a três minutos, o cavaleiro dedilha as rédeas buscando a descontração de sua montaria por volta de 50 a 100 vezes!! E é uma ação perfeitamente normal.

 

Um cavalo em início de adestramento básico deve ser respeitado quanto ao ritmo de seu condicionamento. O flexionamento da nuca deverá ocorrer a partir da descontração do maxilar. Por sua vez, isto só poderá acontecer sob condicionamento correto e adequado às condições de cada cavalo. Este condicionamento, por sua vez, depende previamente da aquisição de ritmo, descontração geral e apoio franco sobre a embocadura, o que demanda razoável tempo de trabalho. Promover o flexionamento da nuca por meios que não estes pode causar sérios problemas ao adestramento de seu cavalo, e consequentemente à sua performance em pistas. Alguns danos podem ser irreversíveis e graves. Sendo assim, pense algumas vezes antes de fazê-lo. É preferível um cavalo ponteiro, em trabalho de condicionamento, mas descontraído, com um mínimo de flexibilidade, a um cavalo em atitude forçada, tenso, duro, limitado, que traciona fortemente o cavaleiro pela tensão nas rédeas. Na dúvida, portanto, não flexione !!

 

O conteúdo acima expressa a opinião do autor sobre o assunto. Caso você deseje complementar ou até mesmo discordar do tema sua opinião técnica também será publicada aqui.

Equipe - Empório do Criador